Biografia de Hitler – Joachim Fest (Vol. 2)

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Nova Fronteira, 2006.

*Para ver a resenha do Volume 1, clique aqui.

 -> Esta, que provavelmente é a mais completa e fidedigna biografia de Adolf Hitler, contando com quase 1.000 páginas em seus dois volumes, foi publicada originalmente em 1973, pelo historiador e escritor alemão Joachim Clemens Fest, que foi contemporâneo do Führer, tendo servido na Segunda Guerra Mundial pelo Exército Alemão. <-

Este segundo volume é o conto da história de horror que começa com uma vitória eleitoral em 1933 e acaba no bunker de Berlim com o personagem cercado, bombardeado, demolido, enlouquecido e, por fim, suicida, em 1945. Possui 390 páginas, além de 48 páginas com fotos e 70 contendo notas, bibliografia e índice remissivo. Ao todo, a obra possui 945 páginas em seus dois volumes. Assim como no primeiro volume, esta é uma narrativa repleta de notas e citações, o que torna a leitura extremamente lenta, mas muito agradável, já que o autor vai construindo, em ordem cronológica, toda a trama e o cenário do crescimento de Hitler como líder da Alemanha, assim como o desenrolar da Segunda Guerra Mundial pelos passos do Führer.

“Não me tornei chanceler do Reich para agir de modo diferente do que proclamei durante quatorze anos. Somos desses que só tem uma palavra”

Neste livro, o autor também continua sua narrativa buscando mostrar o cenário em que viveu Hitler, tentando explicar suas ações, desejos e motivações, e traz o passo a passo de suas decisões, que foram indefinidamente decisivas – tanto para o início, como para o fim – da Grande Guerra Mundial.

O autor realizou um trabalho tão extenso e minucioso de pesquisa sobre Hitler, que o leitor, após finalizar a leitura dos dois volumes, tem a sensação de ter acompanhado intimamente (o quanto possível) o Führer em sua carreira, conhecendo seu modo de pensar e de agir até os últimos instantes de sua vida.

Avaliação: Classificação do livro. Livro ótimo. Leitura recomendada. Livro recomendado. Quatro estrelas. 4 estrelas.

Após assumir a Chancelaria do Reich, Hitler continuou a buscar seu objetivo, que era o de concentrar todo o poder em suas mãos, até que ocorresse a morte do presidente Hindenburg, que já estava com 85 anos. A tática para alcançar isso seria a mesma que usou para chegar até aqui: aplicar o princípio da legalidade, modificado pela angústia e o sentimento de insegurança.

A conquista do poder por Hitler representou um modelo de conquista totalitária das instituições democráticas por dentro, quer dizer, com a ajuda do próprio poder e não em conflito com ele. Logo após se tornar Chanceler, emitiu o Decreto “Da Proteção do Povo Alemão“, que dava ao governo, sob os motivos mais imprecisos, o direito de proibir as manifestações políticas e os jornais e impressos dos partidos adversários.

“O povo é que me deverá crucificar se achar que não cumpri meu dever”

Entrementes, Göring, o lugar-tenente de Hitler, passou a introduzir na máquina pública diversos “comissários honoríficos”, assim como distribuiu bem depressa um amplo contingente de SA e SS (forças paramilitares nazistas), e passou a fiscalizar as chefaturas de polícia. Nesse meio-tempo, começou a organizar a polícia secreta do estado, a Gestapo, com objetivo principal de combater os comunistas.

Usando a tática da revolução de cunho legal, não era preciso subjugar brutal e abertamente o adversário pelo terror e pelas medidas de interdição, mas sim provocá-lo sem cessar, levando-o a cometer atos de violência, a fim de que por si mesmo oferecesse o pretexto e as justificativas para medidas legais de repressão.

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“A palavra  estende pontes para territórios inexplorados”

Tal justificativa veio após um atentado (incêndio) no palácio do Reichstag, em 27 de fevereiro de 1933. Até hoje não se sabe com certeza quem comandou o incêndio, mas Hitler o usou a seu favor, acusando os comunistas pelo ato terrorista. Na mesma noite foram presas mais de 4 mil pessoas, principalmente do Partido Comunista, e no dia seguinte Hitler submeteu ao presidente a aprovação de um decreto de emergência que abolia todos os direitos fundamentais importantes e ampliava consideravelmente o limite de aplicação da pena de morte. A angústia explorada de imediato por todos os veículos da propaganda (já que ele praticamente abolira a liberdade de imprensa) proporcionou a Hitler, por um breve tempo, que ele soube aproveitar com presença de espírito, quase todos os poderes.

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“Desgraçado daquele que é fraco.”

Tal decreto foi a base jurídica determinante da soberania nacional-socialista e, sem nenhuma dúvida, a lei mais importante do III Reich. Ela substituía a legalidade por um estado de emergência permanente.

Em março, Hitler assumiu o poder nos Länder (estados), por meio da coação exercida pelos SA, que exigiram a renúncia de vários prefeitos, chefes de polícia e dos governos. As SA, nos primeiros meses, mataram mais de seiscentas pessoas, e mais de cem mil foram enviadas a campos de internamento.

“É preciso deixar que ocorram atritos entre os homens; desses embates se desprende calor e o calor é a vida.”

A 23 de março, Hitler apresentou a “Lei de Plenos Poderes” (oficialmente intitulada de Lei para a Extinção da Miséria do Povo e do Reich), que terminaria por lhe conceder os mais diversos poderes, já que excluía o Reichstag ao dar ao governo uma liberdade de ação ilimitada, por um período de até 4 anos. Esta lei encerrava a primeira fase da conquista do poder e liberava Hitler não só de governar mediante os decretos especiais, mas também da aliança com os partidos conservadores.

“Os gênios de uma espécie extraordinária não podem ter nenhuma consideração pela humanidade ordinária.”

Em poucas semanas, Hitler destituiu os Länder, eliminou todos os grupos e agremiações políticas e controlou os sindicatos. E, por meio de chantagens e assassinatos, conseguiu extinguir o Partido Social-Democrata. Em seguida, os demais partidos foram sendo dissolvidos, sendo que em 14 de julho foi promulgada um lei que afirmava que o NSDAP – Partido dos Trabalhadores Alemães Nacional-Socialista, o Partido Nazi, era o único partido legal.

Nunca se imaginaria possível um desmoronamento tão deplorável” – Hitler, surpreso com a passividade de todas as forças políticas ante sua neutralização.

De um ponto de vista psicológico, havia uma sensação de se estar às portas de um novo tempo, sentimento que se instalou no íntimo dos alemães de maneira vaga, como uma esperança eufórica, desde o ingresso de Hitler no governo, que afetava camadas cada vez mais extensas da população.

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“Toda liberdade tem um efeito regressista, pois nega a forma mais alta da organização humana, o Estado.”

Diante disto, Hitler realizou um grande esforço para despertar as massas, “para fazer delas um instrumento político”. Alimentou o temor do comunismo por ocasião do incêndio do Reichstag, explorou os desfiles em praça pública, as reuniões em massa, as manifestações, as fórmulas para “despertar” o povo, oferecer-lhe um “ideal”, o culto do Führer; em suma, uma mescla de “truques” e de intimidação pelo terror.

“Só poderei conduzir as massas arrancando-as de sua apatia. Só se podem dirigir as multidões fanatizadas. Uma multidão apática e embrutecida, eis o maior perigo para a comunidade”.

As invocações religiosas, os apelos à unidade, a sedução litúrgica das cerimônias não deixavam de ter seu efeito seguro e devolviam à maioria dos alemães o senso perdido de união, de camaradagem e de coletividade. Sua exigência de sacrifício, a “coloração” de seu “discurso” inflamou um povo esgotado psiquicamente pelo desemprego, a miséria, a fome, e suscitou um anseio quase extático de devotamento.

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“É magnífico viver  num tempo que impõe aos homens tais deveres”.

Desde março começaram as primeiras ações violentas das SA contra os judeus, assim como medidas jurídicas por parte do governo, como afastamento de cargos. Um ano depois, cerca de 60 mil buscaram refúgio em países vizinhos.

No que se refere ao Programa de Governo, verificou-se que Hitler não possuía nenhum. Buscou, nessa fase inicial,  “fazer obras gigantescas”, para “por em marcha a economia alemã.” Seu estilo de governo na época ficou conhecido como sendo um “improviso permanente”.

“Nosso socialismo tem uma forma de agir muito mais profunda. Não modifica a ordem das coisas, não faz senão mudar as relações dos homens com o estado. Que significado têm a partir de agora as expressões ‘propriedade’ e ‘renda’? Por que teremos necessidade de socializar os bancos e as usinas? Nós socializamos os homens”.

No entanto, a partir de 1934, Hitler realizou diversas medidas que melhoraram a situação material das classes mais baixas do país, através da realização de gigantescos programas de serviços públicos, além de ter sido ajudado pela melhora geral da economia mundial.

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Hitler divulgando seu programa de crescimento.

Pouco a pouco, todas as instituições influentes foram dominadas; até Hindenburg se submetera a Hitler. O Reichswehr (Forças Armadas) permanecia o único a resistir, o que deixou as SA impacientes, já que seu comandante Ernst Röhm queria continuar a revolução em busca do poder total. Vale reforçar o fato de que a SA eventualmente vinha tomando atitudes muito “violentas” na resolução de diversas questões, o que de certa forma incomodava Hitler em sua tática da revolução legal.

Daí girava em torno das sedes da SA o lema da “segunda revolução”, que devia vir em socorro da “tomada do poder” da primavera de 1933, entravada pelas meias-medidas e os compromissos, que teria impedido a “revolução total” e a “posse integral do Estado”.

Apesar da forte pressão de Röhm, Hitler mantinha a cautela. Devido a sua experiência mal sucedida de putsch em 1923, ele sabia que não deveria entrar em choque declarado com as forças armadas. Além disso, Hitler queria o exército ao seu lado, já que tinha suas pretensões expansionistas pela frente.

Diante da crescente expansão da SA e sua consequente falta de controle, Hitler se viu obrigado a agir. Com base em documentos que apontariam uma suposta tentativa de golpe por parte das SA, houve a execução de vários de seus líderes, dentre eles, Ernst Röhm. Tal golpe, no entanto, não havia sido orquestrado, mas Hitler sabia que com o poder constituído por seus milhões de homens da SA, Röhm encarnava aos olhos desconfiados de Hitler a ameaça constante de um eventual golpe.

“Cada um deve saber daqui por diante que, se vier a erguer a mão contra o estado, seu único destino será a morte”.

A morte do presidente Hindenburg, em 02 de agosto de 1934, não ocasionou qualquer modificação aparente. Hitler aproveitou a situação para preparar um referendo visando fundir os cargos de presidente e chanceler. Com a vitória alcançada, Hitler passou a se intitular o Führer da Alemanha.

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“As massas têm necessidade de um ídolo”.

Quanto ao âmbito externo, a França continuava a se opor ao reconhecimento efetivo da Alemanha como estado soberano, e terminou por empurrar a Inglaterra, sua aliada, para essa mesma postura. Diante desse cenário, Hitler serviu-se nos 18 primeiros meses de seu governo para elaborar uma verdadeira obra-prima de tática e fazer ir pelos ares o sistema de alianças europeu, estreitar ainda mais os laços internos da nação alemã e preparar o terreno para a sua política do Espaço Vital.

“Uma única ideia genial tem mais valor do que uma vida de trabalho meticuloso num escritório”.

Hitler se empenhou de início num trabalho de harmonização, numa política de boa-vizinhança com as potências europeias. Ao mesmo tempo fazia propostas de pactos entre a Alemanha e alguns vizinhos, e ameaçava retirar-se da Conferência de Desarmamento se continuassem a não reconhecer a Alemanha como participante efetiva. Buscava, incessantemente, uma “equiparação” com as demais potências. Como não foi atendido, Hitler, abusando de vitimismo, retirou a Alemanha da Liga das Nações, o que ocasionou um clima bastante tenso entre os países europeus. Hitler afirmara: “Ou temos nas conversações direitos iguais, ou o mundo não nos verá mais em conferência nenhuma“.

Como “prova” para o mundo de suas intenções pacifistas, Hitler assinou um pacto de não-agressão de dez anos com a Polônia, com quem a Alemanha sempre tivera uma relação difícil. Com esse tratado, evitava, em uma situação de guerra, um ataque em duas frentes, assim como desestabilizava o Tratado de Versalhes. A partir desse momento, Hitler pôde executar sua política de negociações duplas, de alianças e intrigas, indispensável às artimanhas diplomáticas.

Em uma manobra extremamente ousada, Hitler rompeu o Tratado de Versalhes, reinstituindo o serviço militar obrigatório e formando um exército completo (que rearmara às escondidas). As potências europeias viram tal atitude, como era de se esperar, com maus olhos; no entanto, devido a política europeia de “apaziguamento”, não houve represálias significativas contra a Alemanha, o que deixou Hitler bastante entusiasmado a prosseguir.

“Não sou dessas pessoas que deixam escapar ocasiões históricas.”

Por meio de ameaça e pressão, ele buscou a todo custo uma aliança com a Inglaterra, findando em um acordo naval anglo-alemão, abalando ainda mais o já fraco jogo de alianças entre as potências europeias.

Em março de 1936 tropas alemãs ocuparam a Renânia, região desmilitarizada desde o Tratado de Locarno. Tal ação foi seguida de inúmeros protestos dos países vizinhos; no entanto, não houve reação militar por parte de nenhum.

“O mundo pertence aos que têm coragem: Deus lhes ajuda!”

Em seguida, Hitler procurou aproximação com a Itália, até então avessa ao Führer. Para agradar Mussolini, fez um acordo com a Áustria, reconhecendo sua soberania. Após visitar Hitler na Alemanha, o Duce saiu profundamente impressionado e, daí em diante, tornou-se um fervoroso aliado até o “fim”.

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Mussolini em sua visita a Berlim.

Hitler, em sua busca pelo espaço vital, aliada ao seu propósito de acabar com o bolchevismo, tentou enveredar uma aliança mundial contra a União Soviética, buscando novamente um acordo com a Inglaterra, que se mostrou reticente mais uma vez. A desconfiança quanto a Hitler foi mais forte que seu medo da ameaça comunista. No entanto, Hitler conseguiu, em novembro de 1936, fechar o Pacto Anticomintern, com o Japão, contra a União Soviética.

A partir da segunda metade de 1937 a fase “Hitlerzinho paz e amor” acaba; daí em diante ele deu livre curso às suas forças extremistas de expansão territorial mediante o conflito armado. Em busca de apoio para a realização de seu intento expansionista, ele realizou, por meio de um golpe, uma grande mudança no comando do Exército, assim como no Ministério do Exterior e em algumas embaixadas importantes.

“Tenho uma missão histórica e a cumprirei, porque a Providência me predestinou”.

Em 12 de março de 1938, Hitler realiza sua primeira ação expansionista, invadindo a Áustria e reunificando-a ao Reich alemão. A Europa, novamente, aceitou tal atitude de uma maneira resignada; os países conservadores acreditavam que Hitler poderia servir como uma fortaleza contra o comunismo. A próxima ação foi contra a Tchecoslováquia, em que Hitler anexou a região dos Sudetos à Alemanha. As potências europeias, ainda na política de apaziguamento em voga na época, concordaram com a anexação, vendo uma motivação aceitável. Esse zelo conciliador – e até mesmo covarde – dos países europeus significava acima de tudo uma coisa: eles temiam uma nova Guerra Mundial para lhes arrasar novamente.

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Hitler em Viena no dia da invasão.

Aproveitando-se desse clima de concessão, em que tudo parecia tão fácil a seus olhos, Hitler quebrou sua palavra perante os outros países e decidiu  invadir a Tchecoslováquia. Utilizando uma combinação dinâmica de ameaças, promessas de paz e de atos de violência, Hitler conseguiu que fosse assinada a submissão daquele país. Hitler ficou exultante com essa grande conquista.

“É o maior dia de minha vida. Vou entrar para a história como o maior dos alemães.”

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Hitler, em Praga, no “maior dia de sua vida”.

A ocupação de Praga marcou uma reviravolta no pensamento e na política de harmonização da Europa. Se antes faziam-se crer no direito de autodeterminação de Hitler, agora viam que ele buscava a glória de conquistador. Para sair dessa apatia, a Inglaterra e a França, sentindo que o próximo passo na ambição desenfreada de Hitler seria a Polônia, fizeram um pacto com ela. Caso houvesse qualquer ação contra ela, as duas interviriam como pudessem.

“A ideia de lutar sempre esteve em mim.”

Isso desfez o plano de Hitler de conseguir apoio das potências ocidentais na grande luta que sempre planejara contra o bolchevismo, contra a “ameaçadora” União Soviética e seu Exército Vermelho. Hitler precisou rever sua estratégia; deveria vencer primeiro a Inglaterra para então voltar ao seu objetivo principal.

Começava então uma corrida secreta por alianças, que duraria meses, envolvendo toda a Europa, culminando, por fim,  num pacto inesperado entre a Alemanha e a União Soviética (além do acordo prévio com a Itália e o Japão), em que Hitler justificava-se: “Em suma, um pacto com Satã para expulsar o diabo“. Hitler adiaria seus planos contra os comunistas, visando derrotar a Inglaterra antes, para, enfim, voltar-se contra os bolcheviques. O mundo inteiro viu até que ponto Hitler era capaz de ir contra suas ideologias em busca da vitória.

Sem qualquer declaração de guerra, a Alemanha invadiu a Polônia em 1º de setembro de 1939. Começava a Segunda Guerra Mundial. Hitler, apesar de todos os esforços das potências ocidentais para evitar a guerra, extravasava de maneira irrefreada seu desejo imperioso, catastrófico, pela batalha. Como ele mesmo afirmou, “a guerra era o objetivo derradeiro da política.” Para ele, a ideia de um regime de paz universal era “ridícula.”

“O horóscopo dos tempos não prevê paz, prevê guerra.”

Em 10 de maio de 1940, a Alemanha deu início à ofensiva ocidental. Um mês depois, a Itália, seu fiel aliado, realizou seu primeiro ataque, no sudeste da França. Os resultados foram surpreendentes: em três semanas, Hitler varrera a Polônia; em pouco mais de dois meses, dominara a Noruega, a Dinamarca, a Holanda, a Bélgica, Luxemburgo e a França, e rechaçara os ingleses para sua ilha, desafiando-lhes sua poderosa esquadra. Hitler atingia o ponto mais elevado de sua carreira. A partir daí, ocorreria o caminho inevitável para a “queda”.

Adolf Hitler speaking at the Lustgarten, Berlin, 1938.[7]

Hitler esperava então a rendição da isolada Inglaterra, para poder seguir com sua expansão rumo ao leste; no entanto, Churchill permaneceu firme na intenção de lutar contra o expansionismo da Alemanha. Jamais se estivera tão perto de uma Europa fascista, com a provável formação de uma grande coalizão continental englobando a Europa inteira, incluindo a União Soviética, Espanha, Portugal e França.

No entanto, contra toda a lógica da guerra, Hitler, no fim de 1940, inverteu o rumo de suas ofensivas, resolvendo atacar a União Soviética antes de a guerra no Ocidente estar definitivamente solucionada. Para ele, foi uma de suas ‘decisões mais difíceis”. Para o mundo, foi uma das suas decisões mais incompreensíveis. Hitler quebrava um de seus mandamentos – evitar uma guerra em duas frentes – , subestimando os dois rivais.

“O pacto nunca foi sincero, porque o abismo entre nossas visões do mundo são insondáveis”. – Hitler, sobre sua traição ao acordo com Stálin.

*No que se refere à “solução final”, adotada por Hitler, ainda hoje paira uma certa obscuridade sobre o momento em que ele tomou essa decisão, pois não existe qualquer documento sobre o assunto. No entanto, já no início dos anos 30 Hitler tinha solicitado, secretamente, que se criasse “uma técnica de despovoamento”, e explicou que isso significava a eliminação de povos inteiros. No entanto, após a adoção do extermínio em massa dos judeus, nunca se viu em Hitler algum discurso, conversa ou alusão concreta a essa prática, o que é estranho, já que seria de se esperar que ele expusesse ao mundo com “orgulho” sua “grande ação salvadora”, de “libertação do mundo”.

“Nós todos sofremos da doença lenta e incurável que é a mistura e a corrupção do sangue”.

No início, procurou-se dissimular o que se passava. Os judeus eram informados, em seus deslocamentos, que iriam para belas cidades novas. Às unidades encarregadas das execuções, as informações eram de que eram promotores de resistência armada ou portadores de infecções epidêmicas. Quanto à burocracia, falava-se em “emigração”, “tratamento especial”, “medida sanitária”, “mudança de residência” e “redução natural”.

“A natureza é cruel, por que não o seríamos também?”

Utilizando a mais poderosa concentração de forças já realizada num mesmo palco de operações, a Alemanha começou o ataque contra a URSS no início do verão, em 22 de junho de 1941, também sem qualquer declaração de guerra. Hitler tratava o conflito de sua vida, uma luta ideológica entre duas visões de mundo opostas, com o objetivo de condenar radicalmente o bolchevismo, “terrível perigo para o mundo”. Seria uma luta de “aniquilamento”. Para os nazistas, “no leste, a dureza seria bondade para com o futuro”, em que “os comandantes deveriam se impor o sacrifício de seus escrúpulos.”

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Os ataques iniciais tiveram êxitos espetaculares em todos os setores do front; no entanto, as tropas inimigas permaneciam firmes em sua resistência, enquanto a máquina de guerra alemã, pela primeira vez, parecia ter atingido o limite de sua capacidade. Diante disso, a súbita chegada do frio terrível (com média de -30º) paralisou completamente as tropas alemãs, que não estavam absolutamente preparadas para isso, já que, devido às estratégias precipitadas de Hitler, a campanha alemã deveria ter terminado antes do inverno. Em pouco tempo, as baixas pelo frio superaram as perdas em combate.

Apesar da visível desvantagem na batalha de inverno, Hitler usou sua ordem de “manter a posição”, evitando os conselhos dos seus generais para que recuasse as tropas temporariamente. Segundo Hitler, os soldados deveriam ter uma “resistência fanática” nas posições ocupadas. Devido a sua resistência em ceder, daí em diante essa ordem seria usada até a completa derrota da Alemanha. Chegou  a dizer a um de seus generais: “O senhor vê os acontecimentos muito de perto e tem pena demais dos seus soldados. O senhor deveria manter-se mais distante.” Foi o primeiro grande revés após vinte anos de êxitos constantes, de triunfos políticos e militares.

Se um dia o povo alemão não for bastante forte nem estiver suficientemente preparado para o sacrifício de dar seu sangue a fim de salvar sua existência, que desapareça e seja destruído por outra potência mais forte. Nesse caso, eu não derramarei uma só lágrima pelo povo alemão.”

Após ter percebido o fracasso de seu plano de guerra, Hitler declara guerra aos Estados Unidos, em 11 de dezembro, em apoio ao Japão, que havia atacado a base de Pearl Harbor. Hitler, ciente das consequências de uma nova guerra em duas frentes, passou a ficar cada vez mais inflexível e isolado – claro sinal de deterioração intelectual- , mas passou a dedicar toda a sua energia à campanha contra a Rússia, negligenciando os demais teatros de operações. Diante disto, com a crescente onda de ataques realizados pelos EUA e Inglaterra, a partir do fim de 1942, tornou-se visível a reversão que se operava na relação de força dos adversários. Churchill chegou a declarar, em 1943: “Ainda não é o fim. Não é nem mesmo o começo do fim. Mas é, talvez, o fim do começo“.

“De uma derrota total é que brota o germe de uma renovação.”

Depois de ter perdido o controle de Stalingrado, duro golpe para Hitler, ele perdeu claramente o controle dos nervos. Passou a ter diversos acessos de cólera, momentos de instabilidade emocional e discursos utópicos. Ademais, a saúde do Führer não ia bem, onde ele apresentava um envelhecimento repentino e precoce, um aspecto visivelmente deteriorado. Em 1943, quando ele ainda não tinha uma estratégia para o desenrolar do conflito, tornara-se inseguro, irresoluto, pouco inclinado a decisões.

Suas intenções ultrapassaram as reivindicações racistas ou pangermanistas, e criaram a visão de um império pangermânico da nação alemã, que englobaria quase todo o continente europeu num império único, de organização totalitária e economicamente autárquico. No centro, devia erguer-se a capital do mundo, Germânia, comparável às metrópoles da Antiguidade, como “Egito antigo, Babilônia ou Roma”. Em 1943 a URSS fez a Hitler uma proposta de paz entre as duas nações; Hitler, ainda no seu pensamento obsessivo de vitória ou morte, rejeitou.

“Quem evita uma batalha nunca terá força para fazer outra.”

Internamente, principalmente após a derrota em Stalingrado, cresceu na Alemanha uma atmosfera de angústia, tédio e apatia, que deu um novo impulso aos esforços de oposição. Tal oposição, devido a interesses diversos, reunia inúmeros grupos que tinham em comum apenas sua hostilidade ao regime. Foram realizadas diversas tentativas de golpe contra Hitler, mas todos os atentados contra a vida do Führer fracassaram. O mais famoso deles, executado pelo Coronel Tom Cruise Claus von Stauffenberg, ficou conhecido como “Walküre (Operação Valquíria). Hitler revidava os atentados da forma mais severa possível, com penas de morte que alcançavam até os familiares dos conspiradores.

No decorrer de 1944, seus adversários passaram a recuperar os países e posições até então ocupados pelas forças alemãs e, em dezembro, Hitler organizou um ataque ao ocidente como uma cartada final. Entrementes, a Rússia, com um gigantesco aparato bélico, invadia a Alemanha pelo leste, chegando, em janeiro de 1945, “às portas” de Berlim. A guerra estava perdida.

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Dia “D”, em que mais de 150 mil soldados aliados desembarcaram na costa da Normandia.

“Se não chegarmos a triunfar, não nos restaria senão, ao afundarmos, arrastar conosco metade do mundo nesse desastre.”

Nos últimos meses da guerra, Hitler, doente, com total incapacidade de concentração, lapsos de memória frequentes, e com reações cada vez mais imprevisíveis, não cedia o comando das operações. Vivia um misto de desconfiança, teimosia e consciência de sua missão. Em uma de suas derradeiras frases, disse: “A humanidade é ruim demais para continuar a viver“, assim como: “Quanto mais conheço os homens, mais aprecio os cães“.

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Hitler com Goebbels e sua cadela pastor alemão Blondi, 1945.

Se minha mão treme, e mesmo minha cabeça fraqueje, meu coração, este não tremerá jamais.”

Hitler preparava-se para a “queda”. Na política externa, fazia de tudo para impedir qualquer acordo, e no campo de batalha exortava seu exército a destruir tudo em solo alemão que pudesse ser útil às tropas inimigas, como redes de transmissão, poços, e depósitos de abastecimento. A compulsão suicida, que o acompanhara ao longo da vida, predispondo-o sempre aos riscos supremos, iria realizar-se por fim. Nos seus últimos dias, com variações bruscas de humor, realizou seus últimos discursos ao seu séquito mais próximo e, em 29 de abril, casou-se com Eva Braun, sua amante há anos, para não morrer em estado de concubinato. Fez um testamento político, nomeando Goebbels o novo comandante do Reich, e um testamento pessoal, deixando todas as suas posses para o partido. Se este não existisse mais, para o Estado.

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Hitler, envelhecido e doente, em 1945.

No dia seguinte, 30 de abril de 1945, com as tropas russas bombardeando Berlim, Hitler e sua esposa se suicidavam, pouco antes das quatro da tarde, em seu bunker. Ele havia ordenado que seus corpos fossem queimados e enterrados em seguida, o que dificultou o trabalho de necropsia e identificação dos corpos, suscitando até hoje as mais diversas teorias sobre sua morte, e/ou se ela realmente teria se dado naquele momento. O próprio Stálin, em julho daquele ano, asseverou que “o cadáver de Hitler não fora encontrado e que o Führer estava escondido em alguma parte da Espanha ou da América do Sul“.

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Última imagem de Hitler, já com 56 anos de idade, em que ele observa as ruínas da Chancelaria do Reich – 28 de abril de 1945.

Com a morte de Hitler e a capitulação da Alemanha, o nacional-socialismo desapareceu de cena quase sem transição, de um momento para o outro, como se fosse apenas o movimento, a embriaguez e a catástrofe provocados por Hitler. Ele deu ao nacional-socialismo seu impacto e sua autenticidade; com ele festejou suas esmagadoras vitórias, mas foi também com esse mesmo nacional-socialismo que ele pereceu.

Hitler foi incapaz de sobreviver em todos os níveis. Por mais que tenha proclamado sua missão divina e se apresentado como instrumento da Providência, ele não conseguiu se afirmar além de seu tempo. Como não pôde difundir uma imagem sugestiva do mundo futuro, nenhuma esperança ou objetivo encorajador, nenhuma ideia lhe sobreviveu. As ideias de que se serviu unicamente como isntrumento, deixou-as gastas e comprometidas. Esse grande demagogo não deixou nem mesmo uma frase ou uma fórmula marcante. O pouco que sobrou de sua presença, que foram os registros de dua voz, hoje causam mais uma sensação de embaraço que de fascinação.

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“Preferiria nunca fazer mal a ninguém. Mas, quando vejo a raça em perigo, minha sensibilidade desaparece ante a fria reflexão.”

*Como adiantei no início, no fim do livro tem um índice remissivo, referente aos dois volumes. Uma boa saída para quando o leitor esquece algum personagem ou ocasião.

**Em 2004 foi lançado o filme Der Untergang (A queda), com base em alguns capítulos do livro Inside Hitler´s Bunker: The Last Days of Third Reich (No bunker de Hitler), de Joachim Fest, que, por sua vez, inspirou-se nas anotações pessoais da última secretária pessoal de Hitler, que nelas descreveu os últimos dias de vida do ditador. O filme retrata bem o clima dos últimos dias do Füher, de acordo com o que é relatado no livro.

***Existem as mais diversas (e criativas, vide internet) teorias sobre a orientação sexual de Hitler. Quanto ao livro, o autor, baseado em toda a sua imensa pesquisa biográfica, não apontou dados que opusessem a probabilidade de que ele fosse realmente heterossexual. As demais teorias, provavelmente fazem partem da “propaganda anti-Hitler”.

Resenhas relacionadas:

– Hitler – Joachim Fest (Vol. 1);

– A Lista de Schindler: Um Herói do Holocausto – Thomas Keneally;

– A Lista de Schindler: A Verdadeira História – Mietek Pemper;

– A Bibliotecária de Auschwitz – Antonio G. Iturbe;

– O Diário de Anne Frank – Annelis Marie Frank.

5 comentários sobre “Biografia de Hitler – Joachim Fest (Vol. 2)

  1. Pingback: Hitler – Joachim Fest (Vol. 1) – Idas e Lidas

  2. Pingback: A Revolução dos Bichos – George Orwell – Idas e Lidas

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